segunda-feira, 7 de maio de 2007

Google quer dominar a internet. Será que dá?

Pedro Cruz

Em um cenário hipotético no qual os serviços de internet são vendidos em supermercados, pode-se dizer que o Google é a maior das redes varejistas. Suas prateleiras têm ferramentas on-line de busca, de e-mail, de comunicação instantânea, de vídeos, de planilhas, de texto, de edição de imagens, de mapas, de notícias e de rede social, para citar alguns exemplos. Mas, assim como acontece nas lojas, os usuários dessas soluções não podem simplesmente escolher produtos e levá-los sem pagar. O preço, talvez caro demais para alguns, é a privacidade.
“O Google sabe mais sobre você do que você sobre ele. Se tiver um segredo, não o digite na ferramenta de buscas, no Gmail ou no Orkut”, disse ao G1 David Vise, autor do livro “The Google Story” (“A História do Google”, ainda não disponível em português). Se a empresa não cobra diretamente por aquilo que oferece, tem uma base de dados com informações que garante a eficácia da venda de anúncios -- de longe, a principal fonte de renda da empresa. Por isso, é essencial que a organização aumente sempre sua base de usuários e o tempo de navegação dos internautas: quanto mais essas pessoas clicam em anúncios, mas a empresa lucra. E haja clique: em 2006, a receita ficou em US$ 10,6 bilhões.
Ao identificar o conteúdo das mensagens de e-mail, dos vídeos, das buscas e de outras ferramentas que indicam as preferências dos usuários, o Google cria um valiosíssimo banco de dados para empresas em busca de novos clientes. Sabendo que poderão atingir diretamente seu público-alvo, as companhias investem na divulgação dos sites que aparecem próximos aos resultados das buscas e também associados a outros serviços do Google (receba um convite para um lanche com os amigos via Gmail e, na seção “links patrocinados”, você verá anúncios sobre comida). Toda vez que o usuário clicar na página sugerida, o anunciante paga ao Google uma quantia variável -- é possível escolher, por exemplo, quando investir em cada clique. Sendo assim, a companhia precisa conhecer os internautas, saber do que eles gostam e, para isso, nada melhor do que integrar diversos serviços acessados por um único perfil. Qualquer semelhança dessa filosofia com a conta do Google, utilizada para acessar o Gmail, Google Talk, Orkut e Blogger, não é mera coincidência. Assim como, não por acaso, o comunicador instantâneo do gigante das buscas está disponível em seu webmail, os vídeos do YouTube podem ser acessados pela rede social Orkut. “Essa integração potencializa o uso das ferramentas da empresa, já que mais de 90% dos usuários brasileiros do YouTube usam também o Orkut. Esses quase 10% não acessam a página de vídeos são alvos fáceis para a conversão, pois o perfil dos usuários dos dois serviços é muito similar. E esse é um ponto interessante: provavelmente, os maiores serviços darão força àqueles que têm menos audiência”, afirmou Alexandre Magalhães, analista de internet do Ibope//NetRatings. “Do ponto de vista do usuário, essa convergência é positiva, porque permite visitar diferentes páginas com menos cliques”, continuou.
Força
A empresa -- sinônimo de internet para muitos -- ganhou popularidade por colocar no topo da página de resultados de buscas os sites consideradas relevantes para o usuário. Mas desde que o Google foi criado em 1998, como resultado de um projeto acadêmico de Sergey Brin e Larry Page, seu foco deixou de ser unicamente as buscas para tornar-se serviços da internet. “A IBM definiu a era do mainframe [computador de grande porte]. A Microsoft dominou a era do PC. E, hoje, o Google é o maior ícone da era da internet”, disse Vise.
“Atualmente, a companhia representa a maior força da internet. No entanto, nem tudo o que ela faz decola, como foi o caso do Google Video. Em situações como essa, o Google opta por comprar iniciativas de sucesso, como o YouTube, que lhe garantiu a liderança no segmento de vídeos on-line e impediu que seus concorrentes ganhassem força”, continuou. Com possibilidade de investimento, a gigante adotou um novo lema: quando não sabe fazer algo, compra uma boa idéia. Daí as aquisições do YouTube, do programa Writely (atual Google Docs) e do Earth Viewer (atual Google Earth). O crescimento, obviamente, não agrada a todos. Quando oferece gratuitamente documentos on-line para textos e planilhas, por exemplo, o Google provoca diretamente a gigante Microsoft, que obtém lucros com a venda de programas parecidos. No contra-ataque, a empresa de Bill Gates passou a fortalecer seus serviços de internet, dar mais atenção às buscas virtuais e também a integrar suas ferramentas com o Windows Live. Nessa batalha, a fronteira de área de atuação entre as duas organizações tornou-se menos clara: o Google começou a investir mais na oferta de software, enquanto a Microsoft fez o mesmo com os serviços de internet.
Liderança
Demi Getschko, especialista em internet e professor de computação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma que a centralização de serviços na internet é uma tendência. “Outras empresas fazem o mesmo, mas o Google conseguiu enxergar isso mais rapidamente, talvez por ser uma organização que já tenha nascido na internet”, acredita. Essa onda ganhou força quando percebeu-se a vantagem de os usuários realizarem muitas de suas atividades on-line, como escrever textos, tratar fotos e armazenar documentos. Se o gigante das buscas vai manter sua liderança e conquistar mais usuários para outros de seus serviços, é algo difícil de prever. Segundo Magalhães, o Google atualmente parece ser a empresa dominante, mas é impossível saber como essa história vai terminar. “A internet sempre traz surpresas. Monopólio ou não, dominante ou não, só conseguirá se manter a empresa que for boa no que faz e conseguir ser lucrativa a longo prazo. Em outras palavras, só depende do cliente.” Com o rápido crescimento, a companhia corre alguns riscos. Um deles é o fato de ela ganhar mercado dos concorrentes, o que coloca o Google na mira de outros gigantes, como Microsoft e Yahoo!. Por estar no centro das atenções, a empresa também deve ter muito cuidado ao gerenciar seus serviços -- o YouTube, por exemplo, já sofreu processos por divulgar o vídeo da modelo Daniella Cicarelli e vive sob a ameaça daqueles que protegem os direitos autorais. Ao ganhar ares de empresa grande -- que devem ceder a algumas pressões --, é possível que parte da audiência do Google migre para serviços mais alternativos e menos opressores, nos quais o controle é menor. Além disso, tem o alerta de David Vise, o autor do livro sobre a companhia: “O Google encara o risco da arrogância, que pode ser motivada por seu extraordinário sucesso. Por isso, a empresa deve ter cuidado e evitar voar muito perto do sol, para não se queimar e cair, como já aconteceu com outras organizações”. Recado de quem escreve há anos sobre o mercado de tecnologia.

Juliana Carpanez Do G1, http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,MUL10139-6174,00.html

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